Com seis anos, a garotinha raquítica e de voz rouca, que morava na favela da Água Santa, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, filha de uma lavadeira e um operário, já sabia o que queria da vida: cantar. Aos 12, era mãe. Aos 13, trabalhava como empregada doméstica para sustentar o filho.
“Eu vivia cantando, o tempo todo”, se lembra ela. Foi quando ouviu da patroa: “Pare com isso! Acha que vai chegar a algum lugar? Vá para a cozinha!”. Era o mesmo em casa. “Eu ia buscar água no poço, com uma lata na cabeça, mas ia cantando. E as pessoas gritavam, fazendo piada: ‘Ela quer ser cantora do Ary Barroso!’”
Tempos depois, a menina resolveu se inscrever no programa do famoso compositor. “Eles ofereciam um prêmio pela nota cinco. Eu precisava de dinheiro para salvar o meu filho, que estava morrendo por falta de comida”, conta ela. Na hora da inscrição, pensou que talvez não tivesse chance. “Eles disseram: todo mundo bonito aqui domingo! Eu não tinha roupa e pensei: Pegou...” Mas no dia marcado, lá foi ela, enrolada na saia da mãe, ajustada no corpo com alfinetes.
Ela ouviu Ary Barroso chamar seu nome: “Elza Gomes da Conceição!”. “Quando subi ao palco, o Ary tomou um susto. Eu parecia uma bruxinha, magrela, numa roupa enorme”. O auditório fez silêncio. Ary Barroso perguntou:
- O que você veio fazer aqui?
- Vim cantar, seu Ary.
A platéia irrompeu em gargalhada.
Ele fez outra pergunta:
- De que planeta você veio?
- Vim do mesmo que o seu, seu Ary.
Instigado, ele retrucou:
- E qual é o meu planeta?
- Vim do planeta Fome.
Fez-se um silêncio.
“Terminei de cantar nos braços do Ary Barroso, que disse: ‘Senhores, acaba de nascer uma estrela!’”.
Mas a estrela que nascia ainda ouviria muito desaforo até se firmar como Elza Soares, uma das maiores cantoras da Música Popular Brasileira. “No início, sofri preconceito por que achavam que eu imitava os americanos com minha voz rouca”, diz. Ela até foi barrada numa casa de show por causa da cor da pele.
“Ronald Golias foi um grande amigo. Eu cantava no Leme e não tinha dinheiro para voltar para casa. Ele pagava o ônibus”. Nos anos 70 ninguém queria saber de samba e ela pensou em desistir. Mas Caetano Veloso a fez mudar de idéia e a convidou para gravar um disco com ele.
Elza Soares já gravou mais de quarenta discos, apresentou-se em vários países e, no ano 2000, ganhou o prêmio de “Cantora do Milênio”, conferido pela BBC de Londres.
“Agradeço muito a Deus. O que eu fiz foi sangue, suor e raça. Tem de se ter coragem e acreditar em você. Cada um chega ao seu lugar”.
Elza Soares chegou aonde queria.
2 comentários:
Este texto foi publicado na edição de Janeiro/2006 da revista Seleções Reader's Digest.
Que maravilha esta estória cheia de emoções!!!
Nós tivemos a oportunidade de ter uma participação da fantástica Elza Soares em uma das música do nosso último cd gravado em Montreal em 2004. A música se chama Olha O trem e fala dos perigos e das poucas escolhas que tem os meninos e meninas desfavorizados do nosso Brasil. Ela deu tudo dela em três horas de estúdio, foi uma lição de vida.
www.gaiamundo .com
Salve Elza Soares!!!!!
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