09 julho 2020

VDK-4803

Cedinho, ele se apoia na janela, o cigarro de palha, a relva do campinho à sua frente. Dá pra ver e cheirar o orvalho.
Há três meses ninguém joga. Não que não queiram. Vem o pessoal das roças do entorno, como fazem todos os sábados e domingos há muitos anos, com bola, camisa, algumas chuteiras velhas, mas ele não deixa.
Não é o dono. Mas sua casinha fica bem na lateral e ele é quem sempre cuidou, com enxada, ancinho, remédio, trocando os bambus das traves – tornou-se assim a autoridade natural do espaço.
E segue, na quarentena, cuidando como antes. A grama é um tapete.
Decidiu, no começo da pandemia, que não haveria jogo. E assim tem sido, mesmo com a insistência de todos.
Como fabrica queijo e rapadura por ali mesmo, não há brecha pra ninguém tentar na sua eventual ausência.
Só ele é quem, mesmo já idoso, magro, tarde da noite, vai escondido com a bola meio murcha e a põe na imaginária marca do pênalti.
Afasta-se um pouco, larga o chinelo e toca no cantinho. Fica vendo-a, no escuro, deslizar até passar a trave.
Ergue os dois braços e sorri.
Isso todas as noites, desde o início da quarentena.
Imagina que sem isso – muito mais do que sem capinar, tirar pragas, arrancar formigueiros – o campinho morreria.
De manhã, pitando, constata que está certo.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)
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