É simplesmente um
pecado mortal aos deuses das chuteiras. Uma heresia estarrecedora! Não há
outras palavras para se definir os analfabetos do ludopédio que adotaram a
muleta da estupidez e proclamaram Lionel Messi ‘o maior de todos tempos’,
transformando o ‘rei’ Pelé num mero súdito do hermano, após a Argentina
ganhar o tricampeonato mundial no Catar.Ao comandar a seleção na conquista do
título, implodindo um jejum de 36 anos, a ‘Pulga’ consolidou um lugar de
destaque na prateleira dos principais jogadores da história, talvez no mesmo
patamar de Dieguito Maradona, mas elevá-lo ao trono do esporte bretão é um
crime lesa-bola. Pelé, um gênio; Messi, um craque.
Os bobos da corte recorrem aos
números para justificar a injustificável preferência por Messi, mas um deles já
seria mais que suficiente para jogá-los no abismo do oba-oba nonsense e
eternizar a coroa em sua majestade Edson Arantes do Nascimento: tricampeão mundial aos 30 anos, enquanto Messi perdeu a
‘virgindade’ aos 35.
Pelé atingiu praticamente a
perfeição: chutava com maestria tanto de direita quanto de esquerda, cabeceava
com incrível eficiência (dificilmente perdia a disputa contra um zagueiro),
tinha um arranque fantástico, fazia tabelinha com a perna do adversário,
driblava todos como se fossem uma folha e, se precisasse, jogava até no gol.
Infelizmente há poucas imagens do
‘Atleta do Século’ em ação. O filme ‘Isto é Pelé’, por exemplo, mostra apenas
uma pequena parte do recital imensurável do ‘rei’. Que, entre muitas proezas,
conseguiu marcar um gol de placa… sem balançar a rede. O jogo contra o Uruguai,
pelas semifinais da Copa de 1970, já entrava nos acréscimos da segunda etapa
quando aconteceu um lance mágico.
Após lançamento
primoroso de Tostão, Pelé ficou cara a cara com o goleiro. Com apenas um drible
de corpo, deixou a bola passar por dentro e correu por fora, como se fosse uma
meia-lua sem tocar na pelota. Com Ladislao Mazurkiewicz mais perdido que
formiga em saleiro, Pelé foi para bola e, desequilibrado, chutou cruzado. Por
obra do diabo, ela saiu pela linha de fundo. Se tivesse entrado, certamente até
os uruguaios iriam abraçá-lo.
Ainda no Mundial do tri, Pelé
proporcionou outra jogada inesquecível. Pegou a bola no meio de campo, do lado
brasileiro, e disparou um chutaço ao ver o goleiro Viktor adiantado.
Angustiado, o tcheco acompanhou o chute de 65 metros com os olhos. Só ficou
aliviado quando a bola saiu pela linha de fundo, passando rente à trave. “Das
70 mil pessoas no estádio, apenas Pelé viu o goleiro adiantado”, disse o velho Lobo
Zagallo, o técnico daquela seleção.
Pelé estava anos luz à frente de
qualquer adversário e, por isso, fazia coisas que ninguém imaginava. Por isso,
um clube italiano tentou contratá-lo e ofereceu um cheque em branco ao Santos.
Bastava colocar os números. Não houve negócio. Em 1969, ele parou uma guerra na
África. Mais precisamente na Nigéria. O Peixe viajou a convite do governo
nigeriano para uma zona de conflito e jogou amistosamente com a seleção do
Centro-Oeste do país africano. O jogo terminou com a vitória santista por 2 a
1, gols de Edu e Toninho Guerreiro. Houve cessar-fogo para que todos pudessem
acompanhar o “time do rei do futebol”.
Messi empilhou uma
série de recordes na Copa do Catar: jogador que mais entrou em campo em
Mundiais, com 26 jogos; argentino com mais gols no torneio, com 13 gols;
recordista de participação em gols (13 bolas na rede e nove assistências);
único garçom em cinco Copas… Messi já havia provado sua grandiosidade ao
faturar seis troféus de bambambã da bola, um à frente do gajo Cristiano
Ronaldo.
A ‘Pulga’ acumula 42 canecos ao longo
da carreira, 1.003 jogos, 793 gols e 340 assistências. Dieguito Maradona
soma 345 tentos em 680 confrontos. Marcou 34 gols pela seleção em 91 jogos. Já
Pelé tem no currículo 1.364 partidas, com 1.282 gols, sendo 95 pela seleção
brasileira (113 embates). Entre mortos e feridos, salvaram-se todos: o ‘rei’
Pelé e os príncipes Messi e Maradona.
Em 1968, o artista plástico americano
Andy Warhol (1928-1987) elaborou uma de suas mais conhecidas frases: “No
futuro, todo mundo será famoso por 15 minutos”. Em 1977, dias antes de Pelé
pendurar as chuteiras, o gênio da pop art reescreveu a história: “Pelé é um dos
poucos craques que contrariam minha tese. Em vez de 15 minutos de fama, terá 15
séculos”.
Pelé se eternizou além dos lances, se
colocou acima dos números. É uma entidade. Não há sinônimo maior para o futebol
do que Pelé. Que o diga o saudoso Nelson Rodrigues: “Pelé podia virar-se para
Miguel Ângelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los, com íntima efusão: — ‘Como
vai, colega?’ De fato, assim como Miguel Ângelo é o Pelé da pintura, da
escultura, Pelé é o Miguel Ângelo da bola.”
(Texto do Blog do Malia)