07 abril 2024

VDK-5477

0000: Top-3 do Brasileiro Feminino A1: ; ; ; ; ;
2013: Centro Olímpico/SP; São José/SP; Foz Cataratas/PR
2014: Ferroviária/SP; Kindermann/SC; Centro Olímpico/SP
2015: Rio Preto/SP; São José/SP; Centro Olímpico/SP
2016: Flamengo/RJ; Rio Preto/SP; Ferroviária/SP
2017: Santos/SP; Corinthians/SP; Rio Preto/SP
2018: Corinthians/SP; Rio Preto/SP; Flamengo/RJ
2019: Ferroviária/SP; Corinthians/SP; Kindermann/SC
2020: Corinthians/SP; Kindermann/SC; São Paulo/SP
2021: Corinthians/SP; Palmeiras/SP; Ferroviária/SP
2022: Corinthians/SP; Internacional/RS; Palmeiras/SP
2023: Corinthians/SP; Ferroviária/SP; Santos/SP
2024: 
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= O Fogo é Eterno (60) =
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João Moreira Salles, cineasta botafoguense, na Revista Piauí:
Em 2019, passei alguns meses no Pará para escrever a série Arrabalde, sobre a Amazônia. Num fim de semana em Belém, visitando a feira de livros da cidade, percebi que um rapaz me seguia pelos corredores dos estandes. Eu dobrava uma esquina, ele dobrava a esquina. Eu parava, ele parava, sempre a cinco ou seis passos de distância. A coisa seguiu assim por algum tempo, até que uma senhora me abordou. “Você é o João Salles?” Assenti. “Desculpa. É que eu estou com o meu filho ali e ele é muito tímido. Ele queria muito falar com você, mas está passado de vergonha. Você pode dar um minuto pra ele?” Podia, claro. A mãe acenou para o rapaz, que se aproximou sem tirar os olhos do chão. Tinha uns 16 anos e sinais de acne adolescente no rosto. Estendi a mão. Ele tentou dizer alguma coisa, mas travou. Quis ajudá-lo, e, como estávamos num ambiente de leitores, arrisquei: “Você gosta de jornalismo e lê a Piauí?” Ele arregalou os olhos e se virou para a mãe. Além de encabulado, agora estava confuso. Afoito, mudei a chave e pulei para outra atividade minha: “Ah, você gosta de cinema e se interessa por documentários?” Piorou: ele soltou um gemido, sofria cada vez mais e não entendia uma palavra do que eu dizia.
Eu tinha esgotado a minha munição. “Será que você tá falando com a pessoa certa?”, perguntei. Ele confirmou com a cabeça. “Então como posso te ajudar?” Criando coragem, ele murmurou: “É o Botafogo.” A situação do time claramente determinava parte não insignificante da alegria e da tristeza do rapaz. Naqueles dias, lutávamos para escapar do rebaixamento. Como se não bastasse, a nossa situação financeira era crítica. Eu vinha participando de um esforço coletivo de captação de recursos para ajudar o Botafogo a respirar um pouco, e por isso talvez o rapaz imaginasse que eu poderia saber de alguma boa novidade sobre o nosso clube do coração (não sabia). “Teu pai é botafoguense?”, perguntei. “Não”, ele respondeu. “Tua mãe?” Não. “Um tio, um irmão, um padrinho, um parente?” Não. “Um amigo de escola?” Também não. Eu estava ficando ansioso. “Então por que você é Botafogo?”, insisti. Ele entendeu que falávamos a mesma língua e respondeu de bate-pronto, me olhando pela primeira vez nos olhos: “Não sei, só sei que o Botafogo é muito importante pra mim.” Quando era mais novo, tinha visto um jogo pela televisão e “soube na hora”: “Esse era o meu time e eu não ia conseguir torcer pra mais ninguém. Não consigo não pensar no Botafogo.” Nunca me esquecerei desse encontro. De todas as escolhas que um adolescente tímido e socialmente desajeitado pode fazer para se tornar mais popular, virar botafoguense não é das mais indicadas. Que esse jovem esteja em Belém, a mais de 3 mil km do Rio de Janeiro; que more numa cidade onde raramente acontece um jogo do Botafogo; que ele não tenha idade para ter visto o seu clube erguer alguma taça relevante; que tenha sofrido as tantas decepções dos muitos anos de vigência da nossa mediocridade; que, apesar de tudo, não tenha desistido; e, principalmente, que o seu amor seja gratuito, sem influência de parentes ou de amigos, fruto portanto de uma eleição soberana, que esse rapaz seja o resultado desse conjunto de circunstâncias tão raras – isso é em tudo maravilhoso. Pede um tipo de pessoa especial, capaz de decidir por si o seu caminho, indiferente à sedução da popularidade. É mais seguro e reconfortante fazer parte da maioria.
O encontro também me fez compreender algo sobre mim. Me lembro de sentir uma ponta de orgulho ao me dar conta de que o rapaz me reconhecera por eu ser botafoguense. Para ele, era essa a minha identidade; para mim também é. Intimamente, o que me faz Botafogo me descreve bem mais do que o que me faz documentarista, por exemplo. Não sei explicar porquê. O que posso dizer é que estou mais à vontade na minha pele quando penso que sou Botafogo do que quando penso que sou alguém que faz filmes ou que escreve para a revista. Não sei se alguém escolhe o time de futebol pelo qual torce. Como para o menino de Belém, cujo nome infelizmente não guardei, virar botafoguense talvez estivesse inscrito na minha sina, mais ainda do que na minha vocação. Como se ele e eu não tivéssemos a liberdade de não ser alvinegros. Como se fôssemos predispostos por temperamento a torcer por esse time.
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