09 agosto 2019

VDK-4638

O homem que “inventou” Mané Garrincha
(Por Michel Laurence)
Dizem que foi numa tarde de 1953, o time do Botafogo se aprontava para o treino quando Arati, um médio-volante com mais raça do que talento, entrou pelo vestiário quase arrastando um jovem pelo braço.
– Seu Gentil, este aqui vai ser o maior craque da história do Botafogo.
Gentil, sábio, poliglota, técnico por opção, sorriu e pediu para o rapaz solicitar um uniforme na rouparia e se trocar. Não podia duvidar da palavra de Arati.
João Saldanha, então técnico dos juvenis, e seu grande amigo Sandro Moreira, repórter do Diário da Noite, ouviram a conversa. Os dois se apressaram e foram para o campo na Rua General Severiano, a procura de uma sombra e ver o nascimento de um grande jogador.
Quando Gentil viu a “promessa” de calção, quase expulsou Arati do vestiário:
– Tá brincando comigo rapaz? Como é que você me traz um rapaz com esse – e Gentil procurou a palavra – com esse… com esse “defeito” nas pernas?
– É de nascença, seu….
Não deu nem tempo de Arati completar a fala:
– Claro, um defeito desses só pode ser de nascença! – e olhando para o rapaz – Me desculpa, não estou te ofendendo!
Provavelmente para compensar, Gentil permitiu que o rapaz assistisse ao treino.
O treino passando e João e Sandro ali esperando a “sensação” entrar em campo.
Lá pelas tantas Arati insistiu:
– Seu Gentil, dá uma chance para o rapaz!
Gentil olhou feio para o ex-jogador, mas acabou chamando o rapaz:
– Filho, como é teu nome?
O rapaz baixou os olhos e timidamente respondeu:
– Manuel!
– Manuel não é nome de jogador – afirmou o treinador – Tem algum apelido?
– Garrincha, lá em Pau Grande me chamam de Garrincha!
– É, pelo nome da tua cidade é que não vai dar para te chamar! Qual é tua posição?
– Ponta, seu Gentil, sou ponta-direita!
– Tá, tá bom, entra lá no lugar do 7, nos reservas.
Dizem que a primeira coisa que o rapaz fez foi chegar perto do grande Nilton Santos e dizer baixinho:
– Seu Nilton, sou seu fã!
Nilton Santos, o maior de todos os laterais-esquerdo do mundo, sorriu e aconselhou:
– Deixa disso, vai lá e joga a tua bola para garantir o feijão da família!
Na primeira bola que pegou, Garrincha caminhou em direção ao Nilton Santos, parou, e de repente gingou o corpo para a esquerda e arrancou feito um demônio pela direita. Nilton ficou ali plantado, enquanto o rapaz cruzava para a área... A segunda bola que Garrincha recebeu, Nilton Santos já foi pra cima tentando encurtar o espaço. Mané gingou de novo e de novo arrancou pela direita feito um demônio em direção ao gol.
João Saldanha e Sandro Moreira não acreditavam no que acabavam de ver e acompanharam de perto quando viram Nilton Santos caminhar em direção a Gentil Cardoso, que estava tão espantado quanto os dois.
Calmamente Nilton Santos pediu:
– Gentil, contrata esse garoto logo porque nunca mais, nunca mais quero jogar contra ele!
Sandro era o único jornalista no treino e no fim foi entrevistar o novo fenômeno.
No fim do seu relato contou a história com a fala do Nilton Santos.
A repercussão foi imensa. Tão grande que Sandro foi criando muitas histórias que seriam de Mané Garrincha, mas que tinham como autor Sandro Moreira. As vezes perguntavam ao Mané se era verdade. Ele sorria e… para que desmentir?
– É, foi eu!
– Aquela que você comprou o rádio que o Mário Américo tinha pago uma fortuna lá na Copa de 58, dizendo que o rádio “não ia servir lá no Brasil, porque falava sueco”, é sua também?
Mané soltava uma enorme gargalhada, provavelmente por ser a primeira vez que ouvia a história inventada por Sandro, e dizia:
– Claro, claro, tanto que o Mário quer me “pegar”! – e quase se dobrava de tanto rir.
Sandro Moreira, que faleceu em 1987, inventou dezenas de “causos” do Mané, e construiu o folclore em torno do maior ponta-direita do mundo em todos os tempos. Histórias tão boas que até hoje se duvida que não sejam verdadeiras.
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